24.9.23

Álvaro Ribeiro e José Régio: o caminho das pedras da filosofia portuguesa

 


É curioso seguir o processo de afirmação da denominada "filosofia portuguesa" através da correspondência trocada entre Álvaro Ribeiro e José Régio, que a Imprensa Nacional publicou no âmbito da edição da obra completa deste último e apreender o tortuoso caminho das pedras que aqueça teve de trilhar até que no ano de 1957 se perfilou enfim o periódico que daria voz ao seu pensamento, o jornal 57, dirigido por António Quadros, que se encontra integralmente digitalizado, aliás, na Hemeroteca [ver aqui], depois da primeira tentativa entre 1951-1952 com a revista Acto.

A 19 de Janeiro de 1947, Álvaro Ribeiro escrevia a José Régio, reconhecendo a influência da poesia deste no pensamento filosófico: «[...] difícil é reconhecer o pensamento português, fazer passá-lo da potência ao acto, ou seja, dar-lhe expressão!», manifestando: «[...] ouso profetizar a nulidade dos esforços de quantos negam a filosofia portuguesa para livremente escreverem filosofia estrangeira ou traduzida».

Mais do que a indiferença, a rudeza com que foi recebido esta sua tese e prol de uma filosofia portuguesa, o isolamento em que se sentiu junto dos que julgarem caminharem a par, conduziu-o ao desânimo. 

A 5 de Fevereiro de 1955, ao ter publicado A Arte de Filosofar, voltava ao seu «caro Poeta [e] bom Amigo»: «[...] com o trabalho que agora publico vou dar por terminada a minha contribuição para a filosofia portuguesa, desanimado e descontente com a incompreensão do nosso público e da nossa crítica. Isto de escrever foi um incidente na minha vida». 

A 28 de Fevereiro de 1957 regressaria com nova epístola, olhando em torno de si, o ambiente adverso, tantos outros timoratos ainda: «Sei que o Delfim Santos nega em público - nas aulas universitários e nos exames de Estado - que existam filosofias nacionais. Sei que o José Marinho hesita e que o Sant'Anna Dionísio hesitou, para não assumirem as respectivas responsabilidades. Não lhes levo a mal essa infidelidade ao ensino de Leonardo Coimbra. Não me envergonho de estar só. Mas se não há filosofia portuguesa, eu, que sou português, prefiro então deixar de me considerar filósofo».

Era já um outro espírito, o revivescer da ideia.

Álvaro Ribeiro teria o gosto de ler o que Régio escreveria precisamente a 21 de Março daquele ano de 1957 em artigo no Diário Popular sobre «A existência de filosofias e de uma filosofia portuguesa».  Texto de camaradagem literária, de estrénua defesa de filosofias nacionais ao lado da filosofia internacional, é sobretudo um repto à serenidade da análise, um convite à leitura das obras do seu amigo e não «morder o homem em vez de analisar o autor».

Felizmente o desespero não o venceu e muitos outros livros se seguiriam, de cunho filosófico, logo A Escola Formal no ano seguinte os Estudos Gerais, em 1961 e o Liceu Aristotélico em 1962 e assim sucessivamente até perto do seu falecimento, que ocorreria em 1981.