22.8.23

Álvaro Ribeiro: a filosofia portuguesa é possível!

 


Dar tudo por não sabido e remontar às origens. E assim começar com Álvaro Ribeiro [Álvaro de Carvalho Sousa Ribeiro, 1905-1981] e o seu ensaio O Problema da Filosofia Portuguesa, publicado em Outubro de 1943, como estou a fazer, lendo-o num exemplar que o tempo desgastou, para concluir que o caminho é possível, nem que tenham de se reconstruir as pistas por onde se caminhe e que entretanto tantos abandonaram, julgando-as mortas.

Percebe-se a razão pela qual este seu estudo se terá tornado polémico, ao enfrentar o modo como era ensinada então, no meio universitário, a filosofia. E intui-se que isso tenha contribuído para, reactivamente,  nos meios académicos, se ter desvalorizado e até para acintosamente ridicularizado, a proposta que fez de uma filosofia portuguesa.

O livro, de setenta e cinco páginas, é breve em extensão, mas rico em perspectivas. Dir-se-ia um manifesto e foi, de facto bandeira a que tantos outros se juntariam.

Nele aborda-se, de modo crítico, a temática da «filosofia em Portugal», para sugerir uma filosofia que seja portuguesa. Não critica, apenas, propõe alterações concretas, de método e de sistema. E é escrito em linguagem clara.

Para ilustrar o estado da filosofia em Portugal convoca de Sampaio "Bruno" um excerto assertivo do livro a Ideia de Deus - em que o filósofo clama contra a «a indigência filosófica nacional» - Fidelino de Figueiredo - para quem não só não existiria então uma filosofia portuguesa como «a nossa tradição literária [é] tão pouco palpitante de pruridos e de ansiedades filosóficas» e, menos afirmativo, Sant'Ana Dionísio.

Em prol de uma filosofia nacional, Álvaro Ribeiro sugere «recomeçar a tradição», através da acção de um escol - e, para si, «quem diz escol diz escola», uma universidade em que a filosofia deixe de pertencer ao domínio das Letras, para abranger, como suas disciplinas, outros ramos do saber , como as matemáticas, a biologia, a sociologia, a química geral e assim o propôs, então inconsequentemente por falta de regulamentação, o Decreto n.º 5.491, de 2 de Maio de 1919 [rectificado a 10 de Maio], firmado por Leonardo José Coimbra quando foi efemeramente ministro da Instrução. 

Fiel a uma noção «una e trina» da personalidade humana, tratar-se-ia, segundo Ribeiro, de promover o «desenvolvimento do adolescente nos aspectos corporal, animal e espiritual, solidariamente considerados»., um ensino cujo fim autêntico esteja «acima da mera licença legal», adestrado à «formação do homem livre pelo supremo conhecimento da verdade». É-lhe muito cara a noção da filologia como meio de reformulação dos conceitos filosóficos que até aí nos chegavam pro traduções, nem sempre rigorosas, do francês e do alemão.

Se bem que esta concepção de uma nova pedagogia, considerada no pormenor das suas propostas, tenha o se quê de quimérico, o que não se esgotou no tempo foi a concepção de base que lhe está na origem: assim, entre tantas outras ideias, o apelo a um professorado com «vocação autêntica para a missão pedagógica», «o respeito pela diversidade dos métodos docentes», o retomar do discurso oral, da oratória e da eloquência, o seminário como complemento da aula como meio de gerar a adesão  «à ampla tolerância, à «visão dialética, pelo conhecimento das contradições, pela compreensão das almas diferentes, e à afirmação da personalidade própria». 

Mas aquilo que me interessou, por ter sido o que abriu caminho a tantos outros que o tomaram como mestre, foi a constatação da viabilidade de uma filosofia própria do «estilo de pensamento» português. Para a sua constatação sugere «a leitura nova dos documentos teológicos, políticos e literários em que afirmou espontânea e originalmente o génio português, documentos que por não serem especificamente filosóficos, oferecem em toda a ingenuidade um pensamento sincero que o filósofo interpretará à luz actual»., sendo primordial a leitura de obras poéticas «como afirmação autónoma de consciência de relação com o absoluto». Mas não só. Também a religião, da qual «importam principalmente os textos autênticos onde a contemplação mística e a acção missionária se espelham como equivalentes valioso da metafísica e da ética que estão implícitos na filosofia portuguesa».

Em suma, tratar-se-ia de levar a cabo a «missão altíssima da elaboração do sistema filosóficos que, hodiernamente, corresponda às aptidões especulativas do povo português.