24.5.12

Maquiavel: a fantasia do pobre (3)

Eis mais um excerto do que escrevi como apresentação a O Príncipe de Maquiavel e que a Editorial Presença teve a gentileza de editar como complemento de leitura à tradução feita do italiano daquela ainda hoje controversa obra.


«Eis pois, em 1513, Maquiavel no Albergaccio, a pequena propriedade a que se acolhe, em busca de sustento e descanso. Naquele tempo era um lugar isolado.
Numa carta a Francesco Vettori, escrita no dia 10 de Dezembro, descreve o seu dia-a-dia, entre a mediocridade de uma vida de campónio e o convívio nocturno com os grandes, via onírica para aplacar a dolente saudade do que foi. Os dias são duros, entre a bruta Natureza e os rudes homens, um intervalo de cultura clássica como alimento para o seu espírito e coração, a dar breve alento a uma jornada de vulgaridade terrena. Segundo as suas palavras:
«Levanto-me de manhã com o sol e vou a um meu bosque, que mandei cortar, onde fico duas horas a examinar o trabalho do dia anterior e a passar o tempo com aqueles lenhadores que têm sempre qualquer questão [«sciagura»] entre si ou com os vizinhos. (…) Saindo do bosque, vou a uma fonte e, daqui, à minha armadilha para tordos. Levo um livro comigo, ou Dante ou Petrarca, ou um desses poetas menores, Tíbullo, Ovidio e semelhantes; leio aquelas suas amorosas paixões, e aqueles seus amores lembram-me os meus; deleito-me algum tempo nestes pensamentos. Depois, vou pela estrada até à hospedaria; falo com os que passam, pergunto notícias das suas terras, ouço muitas coisas e noto vários gostos e fantasias dos homens. Enquanto isso, chega a hora do almoço, quando com a minha família [«brigata»] como aqueles alimentos que esta pobre vila e o meu pequeníssimo património comportam. Terminado o almoço, retorno à hospedaria; aqui, geralmente, estão o estalajadeiro, um açougueiro, um moleiro e dois padeiros. Com estes avilto-me[1] o dia todo jogando cricca, trichtach, e, depois, daí nas cem mil contendas e infinitos acintes com palavras injuriosas; a maioria das vezes disputa-se uma insignificância e, contudo, somos ouvidos gritar em São Casciano. Assim, envolvido entre estes piolhos, cubro o cérebro de bolor e desabafo a malignidade da minha sorte (…)».[2]
Mas é com a aproximação da noite que Maquiavel se transfigura, regressado a casa, entrando nesse universo privado como se numa figuração teatral da tragédia do passado perdido e o drama do almejado futuro. Foge do presente demasiado vulgar, penosamente vil, tem agora os Antigos por companhia, recebe-os condignamente, vestido a preceito para o elevado serão convivial. Isolado da pobreza do real, a alma do Secretário transmigra-se para os seus interlocutores imaginários. Explica-o na carta a Vettori:
«Chegada a noite, retorno a casa e entro no meu escritório; à porta, dispo a roupa quotidiana, cheia de barro e lodo, visto roupas dignas de rei e da corte e, vestido assim condignamente, penetro nas antigas cortes dos homens do passado onde, por eles recebido amavelmente, me nutro daquele alimento que é só meu e para o qual nasci; não me envergonho ao falar com eles e perguntar-lhes das razões das suas acções. Eles, por humanidade, respondem-me e não sinto durante quatro horas qualquer tédio, esqueço todas as aflições, não temo a pobreza, não me amedronta a morte: transfiro-me inteiramente para eles».
É este o cenário em que nasceu o livro de que curamos aqui, uma obra que, nas suas próprias palavras, é um trabalho de «fantasia»:
«E, porque Dante disse não haver ciência sem que seja retido o que foi apreendido, eu anotei aquilo de que, por sua [na leitura nocturna dos antigos] conversação, fiz capital, e compus um opúsculo De Principatibus, onde aprofundo quanto posso as cogitações sobre este assunto, discutindo o que é principado, de que espécies são, como são adquiridos, como se mantêm, porque se perdem. Se alguma vez vos agradou alguma fantasia minha, esta não vos deveria desagradar; e um príncipe, principalmente um príncipe novo, deveria aceitar esse trabalho: por isso eu o dedico à Magnificência de Giuliano»[3].
Nesta missiva está contida o gérmen de O Príncipe.
Afastado da vida pública, resta-lhe um único fio que o prende ao poder, no caso a correspondência com o seu amigo. Através dela, a título privado e sem a certeza de que o ouçam sequer, vai teorizando sobre o que aprendera pela experiência e confrontara com o que, pacientemente, estudara.
A Niccolò Machiavelli, ainda que como ilusão, volta o «gustare la dolcezza del dominare». A História do mando, com o seu cortejo de sensações, é a sua companheira nocturna.
Retirado para a rusticidade quotidiana, sobrevivendo pelo negócio rural, escreve então o essencial do texto que viria a ser O Príncipe.
Retornado a Florença, a 3 de Fevereiro de 1514, é um outro homem, moldado pelo sofrimento e pelo que pudera observar do comportamento humano, o dos humildes e o dos poderosos.
Frequenta então a tertúlia literária, artística, filosófica e política que se reúne no «Orti Oricellari», um jardim onde se congrega a vida intelectual da cidade.[4]
Redigirá então sucessivamente[5] o essencial da sua obra: o poema auto-biográfico Asino, os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio[6], a peça teatral La Mandragola, a novela Belfagor, o Discorso o dialogo intorno alla nostra lingua¸ o Discorso sopra il riformare lo stato di Firenze, o Dell’arte della guerra, a Vita di Castruccio Castracani, o Sommario delle cose della cita di Lucca, a história de Florença a que chamou Istorie fiorentine e, em 1525, dois anos antes de morrer, uma nova composição teatral, Clizia.
O comum leitor que, como se fosse um dos seus biógrafos, o ficcione em ambientes palacianos, o requinte da corte a adoçar-lhe a vida, a glória e a fama a acicatar-lhe a imaginação criadora, não imagina que esta obra tenha sido gerada no concreto ambiente em que surgiu, nem que, produzida esta, o seu autor, retornado a Florença, vivesse um quotidiano de vulgaridade, entre a loja de Donato Del Corno e o lupanar de uma tal Riccia que, a troco de meia dúzia de conselhos para a sua aventurosa vida, o premiava com uns fugazes beijos.
Escrevendo, a 4 de Fevereiro de 1514, a Francesco Vettori, desabafa: «Magnífico orador, veja o diabo onde me encontro».
Tentando encontrar trabalho, supõe que será chamado a colaborar na organização da milícia Ordinanza fiorentina, que havia sido criada em 1504 sob o seu impulso, e abolida em 1512, mas é uma esperança vã.
Sente-se na piolheira, sem encontrar homem algum que se recorde dos serviços que prestara à cidade, «o che creda io possa essere buono a nulla». Imagina-se a ter de ir ensinar na escola primária, para poder encontrar sustento para si e para os seus; num lamento dorido remata: que a sua «brigada» [assim se refere sempre à família] «faça de conta que morri», pois acha que só lhes dá despesa «sendo avesso a gastos e nada podendo fazer sem gastar».
O final do ano aproxima-se e com ele uma nova ilusão. Os acontecimentos políticos precipitam-se. Luís XII de França não esconde o seu propósito de invadir Milão e o Papado hesita quanto à melhor posição a assumir e manda perguntá-lo a Maquiavel, através de Vettori. Animado com a importância, o Secretário redige uma longa resposta, que reiterará numa segunda carta. Nela desvaloriza a opção pela neutralidade, que era uma das que se colocavam à Cúria Romana, ante uma dominação francesa da Lombardia. Expressando uma linha de pensamento que era, afinal, a de O Príncipe [21,4], Maquiavel escreve: «parece-me que o ser neutral entre dois que se combatem não é outra coisa senão procurar ser odiado e desprezado» por ambos.
A carta faz nascer junto dos círculos do Papa a ideia de que Maquiavel pode estar em vias de retornar, conquistada, enfim, a confiança dos de ‘ Medici. No dia 15 de Fevereiro de 1514 o secretário pontifício Pietro Ardinghelli escreve a Giuliano de ‘ Medici, perguntando-lhe, «molto secretamente», se tinha contratado os serviços de Niccolò Macchiavelli, pois o conselho de Sua Senhoria Reverendíssima, fazendo-se eco do pensar oficial de Sua Santidade, era «a non si impacciare com Niccolò».
Morre a última oportunidade de encontrar aceitação no único mundo em que sabe viver. Escrevendo um ano depois, em Fevereiro de 1515, ao seu sobrinho Giovanni Vernacci, expressa a sua profunda amargura: «tornei-me inútil, a mim, aos meus parentes e amigos, porque assim o quis a minha dolorosa sorte».
É neste estado de alma, a auto-estima no seu mais baixo escalão, que escreve o poema auto-biográfico, aliás incompleto, Asino. Inspira-se no Burro de Ouro, de Apuleio, mas o texto ganha aqui uma natureza de monólogo lamentoso de auto-comiseração, em que o único refrigério é a lírica exaltada do amor pela pastora, em que muitos dos exegetas da obra literária de Maquiavel encontram uma reminiscência do seu enamoramento pela vizinha no seu retiro bucólico, sonhando-a «nel letto come suo amante o suo marito io fosse» [IV, 51].
Através desta composição entende-se quão defectivo é o ser humano, que indefeso é o homem, o único animal que nasce chorando e, ao mesmo tempo, ridiculamente, quanto se julga criado à semelhança de Deus, mas dele esquecido, acaba sendo, pelo confuso temor, pela maior raiva, o mais infeliz de entre todos os animais.
Regressado à cidade de Florença, os treze anos que Maquiavel aí viverá serão menos atribulados que os quarenta e cinco já vividos: aos sentimentos tónicos da euforia e da desilusão segue-se o morno conformismo e o frio cinismo com que olha, enfim, para o comum humano e para os seus príncipes.
Atrás de si ficava uma vida agitada numa Itália turbulenta onde, no dizer do nosso Padre António Vieira, «tudo é confusão e discurso; a Itália tão dividida em Estados com a Holanda em cidades: tudo cabeças, sem cabeça nem união»[7].
Nascera pobre e pobre estava. Teria pela frente sete anos de espera, a cidade de si desinteressada.
Maquiavel nascera em 1469 em Florença. Nesse ano Lorenzo de ‘Medici, «O Magnífico», torna-se senhor da cidade.
Carlos VIII de França invade entretanto a Itália e Piero de ‘Medici é obrigado a conceder-lhe o domínio das principais fortificações que defendem a cidade. A revolta da população ante o invasor e a cedência do poder levam à sua fuga.
A 17 de Novembro os franceses entram em Florença, ocupando-a. Retiram e com a sua saída surge o caos e com ele ascende Gerolamo Savonarola, um frade dominicano de Ferrara que, «profeta dos desesperados», consegue incendiar as paixões com a sua cruzada pela purga dos costumes e contra a mundanidade do luxo e do vício, por um fundamentalismo moral que leva a que assuma o controlo do poder, com largo apoio popular, através de um sistema de ditadura republicana popular teocrática: uma insólita República de Cristo, um governo de hierarquia angélica, em plena Toscânia, provocando o poder papal em Roma, a Lei de Cristo a única reconhecida, a Fogueira das Vaidades a queimar os símbolos da riqueza pagã e da degradação dos costumes.
Menos de quatro anos depois, a 23 de Maio de 1498, é julgado por heresia e condenado à morte por enforcamento e pela fogueira. Uma das suas analogias aplicava-se-lhe: o mundo é feito como uma cebola, em que cada círculo conserva outro.
Maquiavel tem, entretanto, vinte e nove anos e, sem que o saiba, viveu já metade da vida que lhe caberá viver.
Os seus biógrafos mais ilustrados falam mesmo de uma pré-história de Maquiavel, respeitante a este período, suspeitando que ele possa ter feito parte dos apoiantes do frade[8] a quem chama, num seu escrito, um «profeta desarmado».
Curiosamente, o fim da vida de Savonarola coincide com o início da vida pública de Maquiavel, que é nomeado, a 28 de Maio de 1498, para o cargo de Secretário da Segunda Chancelaria, na qual se tratam assuntos internos e militares e também dos negócios exteriores.
Toda a sua vida oficial se consome, ao serviço desse seu cargo, em deslocações ao exterior. Como escreveu um dos seus biógrafos, Maquiavel passou metade da vida de cavalo, a galope.
O poder vai sendo sucessivamente ocupado. Em 1499 o novo rei de França, Luís XII, alia-se com Veneza, com o Papa e com Florença contra Ludovico, «il Moro». Cesar Borgia («Il Valentino») inicia a construção do seu domínio pessoal. Pelo Tratado de Granada o sul da Itália é repartido entre os franceses e os espanhóis.
Maquiavel inicia uma intensa actividade diplomática, ocupando-se do problema da reconquista de Pisa que os franceses não haviam restituído a Florença. Escreve o Discorso fatto allo Magistrato dei Dieci sopra le cose di Pisa, um relatório diplomático de missão. No ano seguinte está em França, recebido na corte de Luís XII, por causa da rebelião das tropas francesas em Pisa.
1501 é o ano do seu casamento com Marietta di Luigi Corsini, que lhe dá seis filhos. No ano seguinte, acompanhado do bispo Soderini, irmão do gonfaloniere, encontra-se com Cesare Borgia, filho do Papa Alexandre VI, para aquilatar das intenções deste quanto a constituir um forte Estado no centro da Itália.
Em 1504, com o armistício de Leão, Nápoles passa para as mãos da Espanha. Maquiavel tem a alegria de obter a consagração de uma das suas ideias, a formação de uma «ordinanza» florentina, uma milícia militar organizada, um exército regular não mercenário. Escreve nesse ano as Decennale primo, crónica dos acontecimentos italianos ocorridos entre 1494 e 1504.
No ano de 1506 o Papa Giulio II declara guerra a Perugia, Bolonha e Imola. Maquiavel, que acompanhara o guerreiro Sumo Pontífice[9], redige, com base no que observara, os Ghiribizzi scripti in Perugia al Soderino.
Em 1507 é enviado ao Tirol, com o seu colega e amigo Francesco Vettori, para uma missão diplomática junto do Imperador Maximiliano de Absburgo. Regressado, escreve no ano seguinte o Rapporto delle cose della Magna.
Em 1509 Giulio II reapropria-se da Romagna. No ano seguinte o Papa alia-se com Veneza, o que provoca tensões com a França. Para tentar mediar o conflito, cada vez mais latente, Maquiavel é enviado a Blois. Aconselha Soderini a tomar partido, ou por Giulio II ou por Luís XII, mas este insiste numa lógica de equilíbrio. Regressado das terras de França, Maquiavel redige Ritratto delle cose di Francia.
Em 1511 constitui-se a Liga Santa, formada pelo Papado, pela Espanha, pela Inglaterra, pela Suíça e pelo Império contra a França. Luís XII convoca, para Pisa, um concílio que depõe o Papa.
Em 1512, ano da batalha de Ravena e da vitória francesa, os Sforza retomam o poder em Milão e os de ‘ Medici em Florença, pondo termo ao regime republicano.
É este o ano fatal. Regressamos a ele, Maquiavel em apuros, res perdita. Sujeita-se a uma travessia pelo deserto, na mira de que os novos senhores o contemplem com algum trabalho que lhe restitua conforto e utilidade.
Em 1515 um acordo de paz entre o Papa Leão X e o rei francês Francisco I, que sucedera a Luís XII, falecido nesse ano, atribui a este a obrigação de garantir o poder dos de ‘ Medici em Florença.
Só em 1519, com a morte de Lorenzo II, Maquiavel consegue o seu regresso à importância perdida. O novo senhor de Florença, Giulio de ‘ Medici, solicita-lhe, em nome do Papa, que elabore um projecto de Constituição para a cidade.
A partir de então os trabalhos de que o incumbem são menores. Em 1520 vai a Luca para defender os interesses dos mercadores florentinos envoltos numa falência, em 1521 a Capri para diligenciar que os conventos florentinos sejam separados dos toscanos.
Em 1525 é enviado a Faenza e a Veneza em missões diplomáticas e no ano seguinte, um ano antes de morrer, é nomeado «magistrato dei Procuratori delle mura» da cidade, último cargo público que desempenhará.
Dá-se entretanto a guerra. O Papado, a França, Milão e Veneza formam a Liga de Cognac contra o Império de Carlos V. Em 1526, com a paz de Madrid, Francisco I cede Milão à Espanha, que ocupa a cidade.
A 26 de Abril de 1527 os opositores dos de ‘ Medici atacam e ocupam o Palazo Vecchio. A 6 de Maio Carlos V ocupa Roma e saqueia-a.
A 18 de Maio é declarada a República em Florença. Maquiavel ainda tenta oferecer os seus préstimos, mas em vão: acusado que foi pela sua ligação aos de ‘Medici, comprometido pelo que se começava a conhecer de O Príncipe, fecham-se-lhe as portas.
Morreu a 21 de Junho, triste, desiludido e resignado.
Como notou Viroli[10], num recente estudo sobre a sua personalidade, a poucas semanas da morte, ocorre assim o mais grave acto da tragédia italiana: a Itália unificada, forte, armada, levada à República através de um príncipe capaz, fica como sonho impossível, o território ocupado por tropas estrangeiras, o Papa em fuga. É como se a sua vida tivesse sido em vão.

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[1] Tive dificuldade em traduzir o verbo original «m’ingaglioffo» e só alcancei a verdadeira compreensão do mesmo quando vi em Viroli [obra citada infra, página 151] a menção ao seu sentido. Trata-se de uma forma verbal inventada por Maquiavel que significa afundar-se na vulgaridade e na sordidez.

[2] A carta é citada amiúde. Na edição portuguesa de O Príncipe publicada pela Coisas de Ler, António Simões do Paço transcreve parcialmente este excerto.

[3] Dado que Giuliano de ‘Medici morreu em 1516 a obra acabaria por ser dedicada a Lorenzo, duque de Urbino.

[4] Bernardo Rucellai criou o jardim junto ao Palácio de seu pai. Tornou-se o centro da vida intelectual da cidade. Numa primeira fase era uma ambiência aristocrática claramente antagonista ao governo «popular» de Piero Soderini. Caído este, começa a surgir toda uma plêiade de novos frequentadores, já de uma extracção política de simpatia pelos de ‘ Medici, ao lado dos filo-republicanos como Maquiavel, Nardi, Giannotti, Alamanni, Buondelmonti, etc.

[5] A datação dos escritos de Maquiavel é ainda hoje um problema complexo, quer porque algumas obras foram sucessivamente acrescentadas, quer porque ou circularam ou foram conhecidas em exemplares autógrafos, tendo tido edições impressas bastante posteriores, quer porque algumas suscitam dúvidas quanto à natureza definitiva do próprio texto.

[6] A data exacta da redacção dos Discorsi é disputada, pois neste seu opúsculo De principatibus, Maquiavel escreve: «Io lascerò indreto il ragionare dele republiche, perchè altrà volta ne ragionai a lungo. Volterommi solo al principato». Resulta daqui que a obra estaria, pelo menos, pensada, e que «altrà volta» a trataria. O termo da redacção do livro tem sido situado, de modo não inquestionável, em 1517.

[7] Carta a Duarte Ribeiro de Macedo, escrita em Roma em 1672. Macedo, como vimos, é um expoente do nosso pensamento setecentista sobre Maquiavel.

[8] Os apoiantes de Savonarola ficaram conhecidos como os «piagnoni», devido ao queixume constante que fazia parte do modo como lamentavam o mundo venal e pecaminoso que viam à sua volta.

[9] Papa guerreiro na verdadeira acepção do termo, a entrar em Mirandola, de armadura vestida, pela escada de assalto, porque a porta era murada e a ponte fora deitada abaixo! A tal ponto a sua imagem era a oposição da santidade que em 1556 circulou um panfleto alemão comparando-o ao próprio Demónio: Vergleichung zwischen Christo und Belial.

[10] Maurizio Viroli, Il sorriso di Niccolò, Storia di Machiavelli, 1998 (1ª edição), 2000 (2ª na Gius. Laterza & Figli), Roma-Bari.