Tão esquecido, desprezado mesmo, à esquerda por ter integrado o governo de Sidónio Pais, à direita pelo seu liberalismo. Em 1944, publicou um livro corajoso a que chamou Cultura Intervalar. Encontrei-o, amarelecido pelo tempo, levei-o comigo este fim-de-semana sem sonhar o que me esperaria ao lê-lo.
Eis ali a sabedoria mansa, sem erudição para convocar autoridade e exibir saber, sem rancor face a todos os outros que assim não pensem.
São textos na aparência dispersos, na realidade unidos pelo fio condutor de um só pensamento, a noção da precariedade do seu tempo, de intervalo entre o mundo de ontem - e vou buscar a frase ao titulo de um livro de Stefan Zweig cujo drama ele pressente e acompanha como o da ruína de um valor ante a consciência da sua vulgarização - e o que sairia da guerra então na sua agonia, se ainda sem vencedor indiscutível pelo menos sem desenho futuro para o novo mundo que se anunciaria após o caos.
Como se uma «arquitectura de emendas da vida já vivida», há nesse opúsculo a melancolia de um pensamento sentido, aí a sua preciosidade. E a noção da relatividade do mundo, a daqueles que não fazem da duração da vida humana o egoísmo «a medida de todas as coisas».
Tenho dele não sei quantos livros. Quando, esgotada a leitura, a terminar, juntar na estante este livro aos que já chegaram e dormitam como sonolentos pombos aguardar o clarear, irei conferir os que me faltam. E tentar achá-los. «Nestes anos de perplexidade crítica deu-se uma reabilitação de ideias marginais», escreveu. Talvez aí nos tenhamos encontrado. Eu e a sua esquecida obra, a sua ignorada pessoa.
Exilado, sabe-se dela mais no Brasil e em Espanha do que na sua Pátria.