Não tenho no lugar onde me encontro nenhum dos seus livros mas apenas a memória desses livros. Não consigo, diminuído pelo cansaço, reconstituir o sentir anímico que essa escrita em mim causa, aquele ligeiro roçar de asas que é uma carícia pela alma e um desabar do precário castelo de cartas da ilusória Razão. Sim o abatimento do corpo e com ele o silêncio e o florir da Criação que nela foi poética e mística e sagrado.
Dalila Lelo da Costa anulou todas as diferenças entre os mundos em todos eles surpreendendo uma só realidade que pelo desamparo do pensamento não conseguia alcançar-se. Biografou-se pelos êxtases, situou-se num mundo cuja corografia eram os marcos miliários dos passos peregrinos. Foi a voz profética, a alma lusíada. Escreveu indistintamente sobre o invulgar e o comum.
Não admira que uma tal excepecionalidade tenha sido esquecida porque é a forma de muitos irracionais cultores de alegado racionalismo condenarem à morte os que escapam ao paradigma das suas certezas catedráticas.
Ímpar mulher, não teve escola, foi escola, sem aulas, sem programa, puro exemplo. A religiosidade, mais do que vivência, nela foi ser. O seu Deus é um Deus familiar, o seu culto é Mariano, a sua teologia a do Espírito Santo, incorpórea, indizível.
Nasceu no Porto em 1918 e no Porto morreu. Li há pouco a notícia, o coração pesaroso.