No ano de 2008 a Presença pediu-me que escrevesse um texto de apresentação ao "Príncipe" de Maquiavel. Aceitei o desafio. Saiu um livro, este aqui.
O que se me pediu foi apresentar o que seria uma tradução directamente feita sobre o italiano pois que as vulgares eram de segunda mão, oriundas do francês.
Para cumprir o pedido estudei a obra e outras obras do mesmo autor e a sua biografia, a poesia, o teatro, a correspondência, o que escreveu sobre a República romana, a actuação enquanto cortesão, Secretário, escritor.
Levei o mais longe que pude o meu trabalho, surpreendendo o apaixonado Homem onde outros haviam figurado apenas o cínico pensador. Encontrei-me na verdadeira natureza de o "Príncipe".
Descobri, ao seguir o rasto histórico da obra, que liberdade foi dada durante séculos aos seus detractores - que a partir do seu nome deram azo ao termo "maquiavelismo" como símbolo da quinta essência do mal - enquanto a Maquiavel o silenciavam, colocando-lhe os livros no Index dos livros proibidos pela Inquisição.
Constatei a campanha dos que, citando-o sem contexto, truncadamente e falsificando-o, o usaram como pau para toda a obra. A primeira edição surgiu como se ele fosse um prócere do fascismo, a segunda como se fosse um democrata e um republicano.
Escrevi, enfim, um texto singular. Pode ser péssimo, merecer o reparo dos doutos, será tudo o que quiserem, mas tem individualidade pois nada de semelhante tinha sido escrito até então. É um texto que abriu espaço para a polémica pública porque foi uma denúncia cultural e um acto cívico de reposição da verdade. Trouxe a lume o que não lera revelado em Portugal. Citei quantos no nosso País o haviam estudado, mesmo aqueles de quem profundamente discordei. Fui às fontes originais.
Na Casa Veva de Lima convidaram-me para falar sobre ele. Ao terminar a sessão estávamos em comunhão de ideias e de afectos. Entusiasmou-me essa noite. Mas o sinal estava dado. Tempo depois, na Faculdade de Direito, a minha Faculdade de Direito, onde estudei e tentei ensinar, organizaram um colóquio sobre Maquiavel e convidaram-me para "assistir". Não fui. Agora vejo um livro, editado pelo Almedina, intitulado Maquiavel e o Maquiavelismo onde ostensivamente me ignoram. Organiza a obra António Bento, escrevem o próprio, Diogo Pires Aurélio, João de Almeida Santos, Luís Salgado Matos, Manuel Anxo Fortes Torres, Miguel Morgado, Rui Bertrannd Romão. É um livro resulta de um projecto de investigação «financiado para a Fundação para Ciência e TecnologiaI com sede na Universidade da Beira Interior».
É assim que se faz "ciência" em Portugal: através do desprezo e da omissão. Aquilo de que não se fala não existe. Incorrigível, não aprendo nem me calo. Porque haveria eu de acanhar-me ante o que escrevi se outros têm a ousadia de se atreverem?