19.11.06

Amadeu de Souza Cardoso

Sim, eu hoje notei-os, vagueando, perdidos, sem nexo como quem faz tempo, pelos jardins da Fundação Gulbenkian que são, pois que perto da minha casa, uma continuação botânica da minha vida sem história domingueira. Foi depois, pela hora de almoço, ao vê-la, velha amiga, os olhos verdes lindos, ansiosos de beleza, estonteada no passo incerto, Avenida de Berna abaixo à procura de um café logo hoje que é domingo, logo aqui que fecham quase todos, que compreendi tudo. As visitas guiadas à exposição do Amadeu de Souza Cardoso estavam num caos de desorganização.
Pobre Amadeu, que aos trinta e um anos se foi desta vida e a cujos quadros muita da negligência familiar se foi, desprezando-os.
Numa raivosa carta a sua mãe, escrita de Paris, perguntava-lhe: «A Mamann sabe o que é a burguezia? Sabe sim. É a geral sociedade, essa que vive animalmente, isto é, aquela em que os sentimentos animaes é tudo e os espirituais nada. É uma sociedade de alma animal, Ha tambem bons burguezes., porque a alma animal tambem pode ser altamente virtuosa, mas nunca superior».
Burgueses, maltezes e outros macambúzios fregueses andavam hoje por aqui à cata dele. Pregado às paredes, enfim morto, Amadeu, o destinatário do «K4, O Quadrado Azul», «o substantivo ímpar 1» de José de Almada Negreiros ali estava, enfim, ao seu dispôr, não fora a desorganização que impedia o assalto geral.