22.12.06

O acto de renascer

Eu tentava explicar que, passageiros na carruagem do tempo, caminhamos contra o tempo. Ria-se, incrédula. Gesticulando, o gesto a ajudar à compreensão, expliquei que a viagem era rumo ao infinito, porque o tempo é circular. Ria-se, mais divertida ainda. Ainda tentei a frase poética que a nossa vida não ruma ao fim, mas em direcção ao princípio de tudo, onde finalmente se dá o milagre da vida. Só ficou, enfim, séria, muito preocupada mesmo, foi quando, já em desesepero, argumentei que a forma orgânica, estruturada, corpórea, em que os viventes se julgam vivos, é apenas a forma intermédia, provisória, de uma vida que se cumpre, enfim, quando morre para que possa renascer. Não sei já em que instante desta cantata verbal, invoquei o caldo de couves e a segunda lei da termodinâmica. Foi sucesso garantido. Ribombaram cavas palmas, ecoaram dós arfantes, um assobio mesmo, silvo estridente, vindo da geral, a dizer que sim! «Acho-o o máximo», ouvi. Hoje, acordei a pensar nisso, talvez para não me sentir no mínimo.