17.12.11

O destino rasga e cose

O meu envolvimento com a chamada «filosofia portuguesa» [essa corrente do pensamento que muito do academismo ainda hoje desconsidera e apouca] deu-se através do António Quadros, primeiro pela síntese que ele fez dos vários afluentes desse grande delta do sentir filosoficamente a essência saudosa do ser, depois pela cruzada própria que travou até ao fim pelo espírito de 57]. Simultaneamente chegou-me o Jesué Pinharanda Gomes, a sua obra própria e a intensa e humilde actividade divulgadora e formativa. A partir daqui fui-me espraiando, como quem dá braçadas contra a corrente do "racionalismo" contemporâneo e seus demónios materialistas. 
Olhando para o que reuni como biblioteca e para o que li, o défice é imenso e profunda a minha vergonha ante a indesmentível iliteracia. Faltam-me números da Nova Águia, já não consegui reunir todos os que Leonardo Coimbra escreveu - nem acabei de ler o seu A Rússia de Hoje, o Homem de Sempre - do Sampaio Bruno está quase tudo por ler, do Pascoaes, sim, li e reli A Arte de Ser Português, mas ainda hoje sinto o incompleto da alma imperfeita ao tomar nas mãos tudo quanto escreveu a Dalila Lello Pereira da Costa. Vadiei com o Agostinho da Silva, tertuliei com os escritos do Orlando Vitorino, mas nunca li uma linha que fosse do Afonso Botelho, fui relapso aluno dos Estudos Gerais do Álvaro Ribeiro e da sua obra.
Tantos houve e há, os ligados ao Direito como o António Braz Teixeira, meu colega docente nos idos anos pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica [ele a perder-se pelo Direito Fiscal, imaginem, eu pelo Processo Penal, acreditem!], o António Telmo, e os que não refiro por aquele sem-razão de não haver queixa nem amor mas esquecimento de escrita improvisada, que simplesmente folheei.
Esta manhã acordei com ganas de retomar caminho. Vim a este blog olhar para a lateral onde está o arquivo e ver quanto abandonei, para rever o que foi, afinal, a reconstrução da minha essência. Em tempos voltei à silva florescente de blogs que surgiram sobre o esse Graal que é a ideia íntima de Portugal, para sentir o pudor pelo meu mundo por fazer.
Há muito que deixei de acreditar nas organizações humanas como forma de se alcançar a essência do oculto. Foi mundo que tanto se profanizou. Os joelhos descarnados no gélido chão que vi numa Igreja Ortodoxa russa, as lágrimas a escorrerem por uma face engelhada, foram mais símbolo do que rituais mecânicos de profissões de fé já sem esperança de gente sem caridade com que diariamente nos debatemos, nomeadamente das vezes em que os corpos de amigos são encomendados à ladainda do «e que descansem em paz Amen», os circunstantes enfastiados fumando até que passe o tempo anedótico de estarem ali; para não falar nos esoterismos vários ao alcance dos super-mercados livreiros, mescla de magias e sortilégio ao desbarato e de terapia alternativa para almas desemparelhadas.
Não me guiando pelo relógio do Sol há muito que me norteio pelas fases da Lua. No dia vinte e quatro de Dezembro próximo comemoraremos o Milagre da Criação. Não o bíblico, mas o íntimo, o fogo do lar aceso, aquecendo-nos o coração, iluminando-nos o caminho, o território do Amor.