Narcísico, falando do Alter para assim falar do Ego, Alfredo Pimenta proferiu, no dia seis de Maio de mil novecentos e trinta e cinco, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, uma lição notável. Chamou-lhe «Auto-biografia filosófica». Referiu-a como sendo a do seu amigo Francisco de Lucena. Mas era, afinal, sob este artifício literário a narrativa, em prosa esmerada, do seu próprio pensamento.
Espírito inquieto, este «enamorado da Beleza» e «esfomeado da Verdade», como o surpreendeu Henrique Barrilaro Ruas, vogou tempestuoso pelas «Sete Partidas do Mundo do Pensamento», para arribar ao porto tranquilo da Abstenção Filosófica, vindo do mar do cepticismo.
A separata em que o li, magra de trinta e quatro páginas, encontrei-a no espólio que doou à Fundação Calouste Gulbenkian.
Falando para jovens, deixou num momento luminoso dessas «considerações superficialmente amenas», a mostra da sua vincada lucidez. Citando Séneca, recusou grandeza ao efémero, ao precário, ao imperceptível passageiro tempo presente.
Basta a infinitude do futuro e pensar quanto o tempo circular corre perseguindo o seu próprio passado, para se saber, e por isso acreditar, que o flagrante instantâneo do tal tempo presente é apenas a ilusão do encurtamento da distância, Eis o que torna a nossos olhos o menor em maior, o que já foi no que ainda parece ser.
Só por esta centelha de verdade valeu a pena interromper a tarde chuvosa de um quotidiano no mais enganado.