18.12.08

O corpo espiritualizado

Quem ler o estudo que Dalila Lello Pereira da Costa publicou em 1970 sobre o êxtase antecipa o que condensou em 1981 no livro Os Jardins da Alvorada. Está lá tudo, essa indiferenciação do arroubo anímico e do espasmo carnal, o fremente de luz e de silêncio, a possessão, o instante imóvel e depois a infinita paz da reconciliação com o outro através de si, o encontro místico com Deus, o amor de conhecimento entre os humanos.
Eis o que em Julho de 1973 está escrito neste magnífico texto a que chamou A União em Corpo de Glória (ou a comunhão dos santos): «(...) de súbito, sem te fazeres anunciar ou ver, depuseste teu beijo no lóbulo da minha fronte direita, prolongado, inifinito. Depois, na palma da tua mão direita erguida ao alto, pousei e uni a minha. Para segundo contacto, passagem. E ao alto da tua cabeça pousei a outra mão. Em três pontos, em círculo fechado de vibração amor que se sentia e corria sem fim, sobre si, para sempre e sempre gozado. Mudo e sereníssimo. Que outro corpo então conhecido? Em que vida então colhida? Em que animação dela, nele, nunca conhecida? Estreme. Línguas de fogo mil, nele vertidas e circulantes. Pentecostes, céu vertido na terra, esta nossa de agora».
De livro em livro, de memória fui consultar uma lembrança. A Subida do Monte Carmelo de São João da Cruz, de que tenho um exemplar impresso pelo Carmelo de São José em 1947, vê o seu inflamado texto antecedido de um verso que fica como um acto majestoso de esplendorosa ambição da luz pela sacrificial renúncia às trevas: «para vir a gostar tudo, não queiras ter gosto em nada». Inicia-se assim, em ascensão e ascese, a purificação activa dos sentidos e do espírito, o fim da noite escura.