26.9.08

O querer bem

Foi a aritmética quem liquidou a poesia, silenciando a música. Ao aprender a contar, o homem viciou-se no pecado de medir, perdeu a suprema graça da sua encantadora unidade. Em vez da indivisibilidade do ser, passámos à multiplicação das individualidades. Cada criatura é o que se adiciona, a vida feita de subtracções ao tempo que falta.
Depois ficou tudo imóvel, parou a música das esferas que é o contínuo em movimento. Descobriu-se o zero e com ele a posição relativa de cada um no corpo do número e com isso a ordem da sua grandeza. No infinito do firmamento contém-se a totalidade do firmamento e o sonho das estrelas que o vão gerando.
Inferiorizados, os portugueses tiram-se reciprocamente as medidas do seu exterior, anotando o total do que é visível. Ao avantajamento de bens sucede a soberba do intelecto. Há um dia em que a arrogância da maldade demonstra a exuberância de se querer bem. Reduzido à sua insignificância, o objecto do desejo cai afogado no mundo de todos os outros.