22.9.08

O pensamento inquieto

O que interessa num livro? Às vezes o que nele se escreve, outras as notas à margem com que alguém o glosou, quantas vezes a beleza da própria capa, o cuidado de tipografia, até a riqueza da encadernação.
Ora no caso desta tarde, feita da necessidade urgente de trabalhar na profissão e do cansaço mental a evitá-lo, parei por uns momentos, devolvido à liberdade tranquila, para uma visita à estante. Ali estava, impresso a mando da Editorial Império, sita na Rua do Salitre, em 1945, o Leonardo Coimbra, apontamentos de biografia e de bibliografia, escrito pelo Álvaro Ribeiro.
Tinha-o o lido e talvez o releia ainda hoje, quarenta e oito páginas em estilo límpido.
Mas o a propósito vem de uma nota, escrita na folha de guarda, ao lado do nome Leonardo Coimbra: «Leonardo Coimbra: um dos maiores pensadores de todos os tempos. Fundador do sistema filosófico intitulado creacionismo. Converteu-se à Religião Católica depois de longos anos de estudos filosóficos e científicos. Foi professor do Liceu de Gil Vicente na época de 1918-1919».
Mais: diz a nota que o livro é uma recordação do curso de Religião e Moral do ano lectivo de 1952-1953. O aluno, do 5º ano, turma B, chamava-se António José Nery de Oliveira.
Terminou tudo num alfarrabista. Recuperei-o, guardei-o, li-o, visitei-o esta tarde de inércia.
«Nunca o pensamento inquieto poderá desenhar uma figura rectilínea», escreve Álvaro Ribeiro sobre o autor de A Alegria, a Dor e a Graça. Talvez por isso os tropeções do espírito, as pernas do afecto a ensarilharem-se no intelecto.