Quando eu era um miúdo e ainda em calções houve na minha rua trabalhos de terraplanagem. Entre o formigueiro nervoso de gente que ali acorria e a poeirada avermelhada que tudo aquilo levantava, surgiu um estranho personagem humano, alombando com mil cuidados um ainda mais estranho insecto. A esquisita criatura era algo pernalta, empinava-se em três pés, com joelhos metálicos que, atarrachados, lhe davam maior ou menor altura. Tudo aquilo era invulgar visto de longe. Aproximando-me, cauteloso, lobriguei-lhe a cabeça peculiar, esverdeada, canular, com dois olhos vítreos de gorda pupila azulácea, frontais. O mais insólito era, porém, aquele insistência do homem em mirar como se através dele. Colado à articulada criatura, espreitava, espreitava, tirando notas num papel sebento, escrevinhado a lápis. Um dia, deixou-me olhar. Lembro-me que eu era tão pequeno que ele teve de me soerguer, à força de braços. Exaltado, ante a alegria e o medo, dei uma rápida mirada. Veio então a estranheza. Via-se, de facto, através daquilo, mas afinal o mundo de pernas ao ar. Mais tarde soube-lhes o nome: o insecto chamava-se teodolito, o homem topógrafo. Às vezes dá-me saudades desse tempo em que, na minha rua, via o mundo às avessas. E eu que levei uma vida a tentar vê-lo direito, afinal para quê?
7 de Dezembro: HOMENAGEM A FERNANDA DE CASTRO
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*Cerimónia de Apresentação dos mais recentes livros de Fernanda de Castro,
editados pela Fundação António Quadros, MEMÓRIAS (1906-1987) [com índice
remis...
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