2.11.05

Um par de galhetas

Apanhei-o, enfim, ao bandido! Qual rufia, malfeitor marginal, bem se tentava esconder, nos confins baixos de uma estante, quase ao alcance de uma saraivada de pontapés. Responsável pelo meu ódio à literatura, da minha raiva à língua de Camões e ao próprio Camões! O que eu sofri, sem saber então que era por causa dele! Agruras de não ser capaz, a crise de confiança nasceu ali, tal como as borbulhas da barba e pela mesma altura. Agora ali estava! Foi ontem, vinha eu de não me apetecer jantar. O ser chama-se Jerónimo Soares Barbosa. Escreveu em 1822, em plena revolução vintista, uma coisa imensa de monstruosa chamada «Gramática filosófica da língua portuguesa». Ali estava ela agora, na FNAC, uma «edição anastáticas», para que vingasse o exemplo, para memória dos coevos. Sabem o que eu descobri?. O malandrim polígrafo, que o seu panegirista chama de latinista exímio e helenista, depois de umas centenas de páginas sobre a arte de falar e escrever correctamente, atira-se, da página 434 em diante aos Lusíadas e desmonta-os aos pedacinhos, aplicando-lhes milimétrica e mesquinhamente todos e cada um dos mil princípios gramáticos que antes enunciara, incluindo as modificações prosódicas e os solecismos nas proposições parciais. Porquê a minha raiva de iletrado, esta fúria de ignorante? Porque os da minha geração, que à força de palmatória, dividiram as orações ao canto I o das armas e varões assinalados que da ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados, já sabem de onde veio a tortura. Foi ele! Se o apanho numa esquina, leva! De um par de galhetas não se livra!