24.8.05

O encadeado dos afectos

Na altura vinha a propósito da conversa. Falei na cadeia do agrimensor. Olharam-me atónitos. E, no entanto, foi com ela que, acocorado, eu medi a minha sala de aula, há mais de quarenta anos. São elos metálicos de 20 centímetros cada, unidos entre si por argolas. Usam-na os que medem terrenos, os ditos agrimensores. Na minha escola havia uma, guardada no armário, numa escola em Cabo Verde também. Eram aí «quatro fiadas de velhas carteiras de tampos furados pelos bichos da madeira e com um buraco para um tinteiro de esmalte estalado pelo tempo, cheio de fedorentas moscas mortas e tinta azul, líquido precioso que a professora retirava de uma garrafa, guardada cuidadosamente num armário onde estavam também o compasso, o giz, alguns mapas enrolados, a colecção das medidas, a cadeia do agrimensor, etc... Irene, assim se chamava a professora primária. Já faleceu, claro está! Paz à sua boa alma. Usava óculos de aros de tartaruga, era baixa, de rosto arredondado de aspecto agradável. Cândida figura. Foi ela quem me veio receber. A porta desengonçada estava pintada de um cinzento já estalado pelo tempo e sustida no local com auxílio de uma pedra, polida pelas mãos de várias gerações de meninos como eu». Obrigado Eduardo Gominho, pela companhia. Não nos conhecemos, mas há uma cadeia invisível que nos une, a da humanidade e a do agrimensor.