15.12.10

Rumando ao mar

Talvez uma mística, encontrada nos labirintos do ser, como um gorgolejar espumoso de lava que explodisse, incontida, a irradiante luz, estrelar, a reflectir-se em meteoritos alucinantes, ou decifrada no murmúrio de uma prece, como símbolo a símbolo, na lápida de uma recolhida capela, que a corografia sagrada explicasse, se encontrasse a chave da Tradição e a carta de marear rumo ao Futuro seguindo para Nascente.
Talvez num espinhoso refúgio, no matagal esconso onde nenhuma patrulha da Ordem chegue e o fogo do Império não arda nem nenhuma febre de domínio ou desejo de território.
Talvez na individualidade dos poucos portugueses sem sonhos de Índia ou pesadelos de Europa, aventureiros naquela e nesta mendigos e na sua própria casa hóspedes dos seus.
Talvez nem aí ou em lugar algum e apenas no momento topográfico impossível por ser o da não intersecção do tempo e do espaço, surja o Vazio e com ele o Absoluto e assim a possibilidade de reinício, esperança do tudo o que há e fé no que poderia ter havido.
No final principias, tornado outro. Moribundo o Estado, agonizante a Nação, a alma de Pátria renova-se com o nascer da primeira caravela. Rumando ao mar aumentámos o Mundo. Na praia da memória, fiam-se as redes da História, viúvas dos que não voltaram, saudosas dos que poderiam tê-las levado, mães prováveis de ventres irrealizados.

12.12.10

Um Deus risonho

Hoje o Senhor Deus veio ao meu encontro na forma de «A rosa é sem porquê». Porque esgotada a cega confiança no determinismo e sua causal consequência, em nome do qual nascem todos os deveres para que resultem, certos e seguros, todos os benefícios, perdida, errática, a crença ante o probabilismo e sua possível decorrência, por causa do qual se joga em todas as roletas para se obterem todas possíveis as fortunas e mesmo as quase inatingíveis, ficou-me, como resíduo de esperança e território de fé a terra de ninguém das convicções que a Terra oferece e o Céu promete.
Li-o, então, ignorante que não tinha reparado nele. José Tolentino Mendonça trouxe-me pelo riso, a oportunidade do divino. No mundo dos deuses, o Seu, brinca, o pulo para o infinito afinal um saltar à corda, como a eterna criança que jamais fosse Aquele que os homens pregariam na cruz, do Pai esquecido e sem Mãe que o consolasse.
O livro chama-se «O Hipopótamo de Deus», o diálogo com Job, a teologia no fio da navalha, o Todo Poderoso nivelado ao Diabo, iguais no divertimento, como jogando ambos, perversos, aos dados, sobre a espoliada criatura e sua alma que à danação fora condenada e à sua estrumeira.